Peri da Pituba, o lateral itabunense que brilhou no Bahia e Botafogo, mas que ficou miserável em Lisboa

  Boa noite! Finalmente chegou a hora de eu fazer um blog sobre Perivaldo Lúcio Dantas, o segundo maior jogador itabunense da história (Léo Briglia, que eu já falei antes, é o primeiro) e um dos melhores laterais-direitos que o Botafogo já teve, além de ser o maior defensor que Itabuna já produziu.

  Sinto que eu vou amar fazer esse blog, e vou ter todo o tempo do mundo por não ter que trabalhar amanhã :). Também porque Léo e Peri tiveram rumos totalmente diferentes na vida. Vou começar!


1) Quem foi Perivaldo?


  Perivaldo Lúcio Dantas, também conhecido como Perivaldo ou Peri da Pituba, foi um ex-futebolista brasileiro, ex-morador de rua e ex-auxiliar técnico do Sindicato de Atletas do Futebol do Estado do Rio de Janeiro (SAFERJ), nascido em 12 de julho de 1953 em Itabuna e falecido em 27 de julho de 2017 no Hospital Universitário Graffée e Guinle na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, vítima de uma pneumonia.

  Teve 11 filhos com mais ou menos 10 mulheres. Após se aposentar, morou por vários anos em Porto Santo (ilha da Madeira), Espinho, em Lisboa. Devido a má gestão, péssimo investimento e empréstimos a falsos amigos e conhecidos, acabou falindo e virou morador de rua em Portugal, trabalhando na Feira da Ladra para sobreviver, com seus produtos vindos dos lixos da casa. 

  Após anos fora do mapa, sua história foi reconhecida pelas mídias brasileira e portuguesa em 2013, sensibilizando muitos que o conheciam pelos seus grandes momentos pelo Bahia e pelo Botafogo. Devido a isso, a SAFERJ veio para Portugal com um dos seus 11 filhos e o levaram de volta para o Brasil, realizando o que ele tanto desejava. Foi no Rio de Janeiro em que ele teve uma nova chance de arrumar sua vida, trabalhando como auxiliar técnico da SAFERJ, dando apoio a outros jogadores de futebol tanto com sua experiência futebolística quanto com sua experiência de vida pessoal. Para se ter uma idéia, seu irmão, Pedro, junto com todo o resto da família, não sabiam da condição em que o craque estava. O humorista Nilton Rodrigues foi quem ajudou o ex-lateral em Lisboa, o encontrando em 2012, onde foi as ruas gravar um quadro de humor onde ele abordava pessoas aleatórias pela cidade e perguntava "tu és o Fernando?". Segundo o humorista, ele só soube quem o morador de rua era após passar o seu vídeo no talk-show, onde o povo o descobriu. Depois de saber quem ele era, o encontrou na Baixa de Lisboa. Perivaldo sempre dizia que queria voltar ao Brasil para rever suas ex-mulheres, filhos e a sua família, e como não tinha onde dormir, o humorista pagou sua hospedagem por 1 mês. Em seus últimos 3 anos de vida, no Rio de Janeiro, viveu muito feliz, com vários amigos ao seu lado.

Foto de Perivaldo.

  Perivaldo veio de uma família muito pobre, ao contrário de Léo, que em 1953, quanto Peri nasceu, estava jogando no Colo-Colo de Ilhéus, e era o filho do coronel do cacau Francisco Briglia. Morava com seus 5 irmãos, e depois que foi embora de Itabuna, sua casa desabou, e como estava ficando famoso no Bahia, reconstruiu a casa e a deu de presente para a mãe. Ele vivia muito bem em Salvador, tanto que seu apelido, Peri da Pituba, vem de que Perivaldo morava na Pituba, um dos bairros mais nobres da cidade que fica de frente a praia. Aqui vai um relato de seu irmão Paulo Lúcio Dantas ao Fantástico:


- Ele vivia bem. Sempre tinha seu carro bonito, andava bem vestido, dinheiro tinha. Ele nunca fez mal pra ninguém. Sempre ajudou os outros. E agora se vê nessa situação, é doído”.


  Eu acredito que este relato seja totalmente verdadeiro, já que nos seus tempos de Botafogo, onde ele ganhava ainda mais do que ganhava no Bahia, se tornou muito consumista, ganhando muito dinheiro com roupas de marca e carros novos, ficando conhecido como "mascarado", mas chegando de boa nos treinos com seu possante Puma.


- "Quando eu era criança, morria de vontade de me vestir bem. Agora, estou anos à frente da moda brasileira e não imito ninguém", disse. "Não gosto da moda de Paris, nem de Londres. São muito manjadas. Prefiro curtir o que trago de outros países, como, por exemplo, Colômbia e Curaçao."




Frases de Perivaldo em seus tempos de luxo no futebol.

  Essas frases explicam muito bem o porquê ele foi a falência. Ele mesmo reconhecia isso: 


- "O erro foi meu. Vim para cá, fiz tudo errado, foi a morte do artista. Eu tinha um Rolex de ouro que valia 50 mil dólares, tinha diamantes. Vendi, gastei tudo. Comprei carros, vendi também, fui gastando tudo o que tinha e depois não consegui recuperar. Emprestei dinheiro a amigos, dei dólares a um homem para comprar umas ações para mim e ele desapareceu com o dinheiro".


- "Se eu tivesse juízo... Até tive um bom trabalho quando cheguei em Portugal. Em 1992, trabalhava como cozinheiro em Porto Santo, na Madeira. Ganhava bom dinheiro naquela época, uns 4 mil dólares [cerca de 3.700 euros] por mês. Mas conheci uma pessoa em Lisboa, uma portuguesa, que nem vale a pena falar, dos Olivais. Deixei tudo por ela".

Perivaldo dando entrevista em Lisboa.


  E eu acho que já contei bastante da história dele para vocês. Fica bem nítido que sua trajetória de vida foi muito diferente da de Léo Briglia, que nasceu em berço de ouro. Agora está na hora de falar sobre a sua trajetória no mundo no futebol.


2) Os tempos de Perivaldo na Bahia


  Ao contrário de Léo, que foi revelado no América-RJ, Perivaldo foi revelado no próprio Itabuna Esporte Clube. Ficou por no máximo 2 anos lá, indo para o Bahia em 1975. Se tornou titular absoluto no Bahia, sendo tricampeão baiano e vencendo a Bola de Prata como o melhor lateral-direito do Campeonato Brasileiro de 1976, em que o Bahia caiu na terceira fase, a última antes da fase mata-mata. Até hoje é tido como um dos melhores laterais-direitos que o Bahia já teve, muito devido aos seus avanços ao ataque, seu físico ao lado de um ótimo fôlego, seus bons cruzamentos, etc.

  O Cruzeiro, atual campeão da Libertadores de 1976 que também tinha Nelinho, um dos melhores laterais-direitos da história no time, não chegou antes do Botafogo. O presidente do Fogão, Charles Borer, chegou com um cheque de 1 milhão e 400 mil cruzeiros, e ainda assinou mais dois títulos, um com vencimento de 30 dias e outro de 60 dias, no valor de 300 mil cruzeiros cada um. E assim, em 1977, Perivaldo foi contratado pelo Botafogo de Futebol e Regatas.

Perivaldo em seus tempos de Bahia.

Perivaldo chegando ao Botafogo em 1977.

3) Sua chegada ao Botafogo


  Perivaldo se firmou como titular absoluto assim que chegou no clube, jogando junto de ídolos do time como Paulo César Caju e Mendonça. Logo em sua primeira temporada, o Botafogo foi muito bem no Campeonato Brasileiro de 1977 e quase chegou na fase mata-mata, onde tinha semifinal e final, mas mesmo o Botafogo tendo o mesmo número de pontos que o Atlético Mineiro dos craques Reinaldo e Toninho Cerezo, o Atlético avançou de fase por ter tido o melhor ataque no seu grupo e também por ter tido uma vitória a mais, eliminando o Botafogo na terceira fase. O Botafogo, porém, terminou a competição tendo a segunda melhor defesa da competição com somente 8 gols sofridos em 18 jogos (atrás apenas da do Corinthians, que sofreu 7). Vale lembrar que o Botafogo terminou aquele campeonato INVICTO, tendo jogado 18 jogos, vencido 11 e empatado 7. Foi o único time invicto daquela competição junto com o Atlético Mineiro, porém ambos não foram campeões. O Botafogo também teria outra campanha boa em 1978, mas com o mesmo azar de 77, cairia novamente na terceira fase, sendo eliminado por Grêmio e Palmeiras. Foi nesta época em que o Botafogo ficou 52 jogos sem perder 21/09/1977 até 16/07/1978, perdendo a invencibilidade para o Grêmio ao perder por 3 a 0 no Maracanã pela terceira fase do mesmo Brasileiro de 78. Foi por conta desta derrota que o Botafogo não avançou para a fase mata-mata.

  Jogou de 1977 até 1982 no clube carioca, e mesmo não conquistando nenhum título, venceu outra Bola de Prata em 1981 como o melhor lateral-direito do Campeonato Brasileiro de 1981, caindo na semifinal para o São Paulo após o Botafogo ser roubado no jogo de volta perdido de virada por 3 a 2 no Morumbi. É um dos melhores laterais-direitos que o Botafogo já teve, e também um dos jogadores mais amados devido a sua passada larga, sua velocidade, físico e cruzamentos por trás do gol. A final era pra ter sido Botafogo x Grêmio sem sombra de dúvidas. Tanto nas quartas contra o Flamengo e na semi contra o São Paulo, Perivaldo deu assistências para Mendonça, o craque do time.

  Lendas diziam que ele era capaz de jogar um clássico num Maracanã lotado com mais de 150 mil pessoas correndo de lá pra cá igual um maluco em todos os 90 minutos, e ainda no dia seguinte, estar totalmente disposto para treinar. Músicas foram dedicadas para ele:

-''Ohhh, Ohhh! Cruza a bola, Perivaldo, que o Miranda mete o gol! É isso aí! É um, é dois, é três é quatro é cinco é mil! Quem não gosta do Peri vai pra polícia do Rio!''; ''É é é é é, o Peri bota mesmo é pra ferver!!''

Perivaldo com a camisa do Botafogo.

  No seu auge, disputou vaga na seleção brasileira com outros laterais como Leandro, Edevaldo e Toninho Baiano (antes de sair do Flamengo). Apesar disso, foi convocado somente 3 vezes para jogar amistosos pelo Brasil, saindo do banco em uma vitória por 1 a 0 sobre a Espanha, ficando no banco num 0 a 0 contra o Chile em 1981 e sendo titular num amistoso contra a Tchecoslováquia em 1982 as vésperas da Copa do Mundo, onde o Brasil tomou um gol no finalzinho e empatou por 1 a 1. Neste mesmo jogo, Peri da Pituba, em um ato milagroso, salvou uma bola em cima da linha de bicicleta, onde o goleiro já estava batido. 


 - "Não tem Leandro, nem Edevaldo, o lateral da seleção é Perivaldo!"

Perivaldo em amistoso pela seleção brasileira.


  Poderia ter sido convocado para a Copa do Mundo de 1982, mas perdeu a vaga para Leandro, do Flamengo (que foi campeão brasileiro e venceu a Bola de Prata como o melhor lateral-direito do campeonato) e Edevaldo, do Internacional. Seu relacionamento com alguns jogadores e alguns membros da comissão técnica da CBD também o atrapalharam. Marcou 34 gols em 282 jogos pelo clube alvinegro. E olha que naquele Brasileiro de 82 ele foi o artilheiro do Botafogo, marcando 7 gols em 13 jogos e sendo o principal cobrador de pênaltis do time.

Perivaldo, furioso, sendo segurado por seu companheiro de time e por 2 policiais.


4) O lateral de 100 milhões e a queda de Perivaldo


  Foi vendido para o Palmeiras por 100 milhões de cruzeiros (10 milhões e 300 mil reais hoje em dia, mais ou menos), um valor 5 vezes maior pelo qual o Botafogo pagou ao Bahia para tê-lo, tendo Josimar, lateral-direito da seleção brasileira na Copa de 86, assumido seu lugar. Em seu único ano no clube, jogou 44 partidas (juntando jogos oficiais e amistosos) e marcou 2 gols. Pediu para ser negociado, e seus direitos foram comprados pelo Bangu Atlético Clube.

Peri da Pituba com a camisa do Palmeiras em 1983.


5) Seu tempo no Bangu e a ida para a Coréia do Sul


  Perivaldo, mesmo voltando para o Rio de Janeiro, nunca mais foi o mesmo jogador que era no Botafogo e no Bahia. Jogando no Bangu, ficou de 1984 até 1986 no clube, sendo vice campeão brasileiro em 1985 para o Coritiba. Foi para o Yukong Elephants em 1987, assinando um contrato gordo de 2 anos com o clube, onde ele recebia em dólar. Mas mesmo com a grana, quebrou o contrato com o clube no final da primeira temporada, querendo sair da Coréia do Sul por não ter se adaptado a língua e a cultura local. Foi aí também que sua vida começou a ir ladeira abaixo devido aos problemas financeiros. Segue entrevista dele ao Fantástico:


- "Foi uma das maiores besteiras da minha vida. Eu tinha um contrato de 100 mil dólares lá em Seul. Ganhava bem, uns 9 mil dólares por mês, era muito dinheiro. Mas rescindi o meu contrato, voltei para o Rio e me disseram para vir para cá, para Lisboa, que ia aparecer um clube. Nunca apareceu nenhuma proposta boa e eu fui ficando, fui me acomodando e trabalhando aqui e ali".


6) Sua chegada em Portugal e o começo da sua queda


  Como ainda tinha uma boa reputação pelo sucesso no futebol brasileiro, resolveu ir para Portugal para assinar um contrato com o Sporting, que era treinado por Marinho Peres. Porém, como existia a política de 3 jogadores estrangeiros por time, não conseguiu assinar o contrato. Até conseguiu entrar nos elencos do Louletano e no do Torriense, mas como existia uma cota de estrangeiros e ele não era prioridade, ficou sem espaço e resolveu se aposentar do futebol em 1989, ganhando a vida como cozinheiro em um hotel de luxo, onde ganhava 4 mil dólares (o equivalente a 3 mil e 700 euros na época) por mês, mas como foi dito antes, uma relação amorosa o fez largar tudo. Resultado? Gastou tudo o que tinha indevidamente e virou morador de rua. Ele, que veio do lixo em Itabuna, foi ao luxo em Salvador, e voltaria ao lixo em Lisboa.

Perivaldo nos jornais da mídia portuguesa.


7) O último ato de Perivaldo


  Como eu disse antes, apesar de morrer de pneumonia, seus últimos 3 anos no Rio de Janeiro foram muito felizes, cercado de amigos e podendo rever suas ex-mulheres, sua família e seus filhos. Sua personalidade difícil do antigo ricaço do bairro da Pituba mudou para um Perivaldo muito mais tranquilo, muito menos consumista e longe do álcool. O resgate do sindicato foi uma das melhores coisas que ocorreu em sua vida, sendo a sua única dificuldade mexer com a tecnologia. Lá, ele era responsável pelo cadastro dos atletas e passava treinos para os jogadores que estavam sem clubes e eram cuidados pelo sindicato.


- "Estou aqui, gosto do ambiente, das pessoas, da maneira como sou tratado. São todos amigos de verdade. Só peço a Deus que me dê força e coragem para seguir aqui. Até ofereceram outras coisas, mas não dá para sair daqui. Dinheiro não me atrai mais, já tive muito. Eu só quero esse ambiente. E acho que não encontro outro lugar para ser bem tratado como esse. Isso aqui é meu futuro. Não posso desperdiçar mais uma chance. Se não fosse o Alfredo para me ajudar, não sei onde estaria e como seria meu regresso. Nem sei se teria isso", disse Perivaldo.

Antiga foto do jovem Perivaldo com as mulheres de sua família.


- "Foi um período muito legal. Todo mundo sabe como o Perivaldo tinha um temperamento explosivo. Mas, nesse retorno, ele estava muito tranquilo. Não teve nenhum episódio que tivemos que chamar atenção. Ele só queria conversar. Ele ia para a porta do sindicato e ficava lá puxando assunto com quem passava e o reconhecia. Largou até as bebidas. Levei em várias festas da federação e ele ficou só na água. Uma pena ter sido um final feliz tão rápido", disse Alfredo.

Foto de Peri da Pituba, de volta ao Rio de Janeiro.


  Apesar dos altos e baixos na vida, Perivaldo morreu feliz, e deixou Itabuna orgulhosa do seu legado, orgulhosa pelo nível de jogador que foi. Este foi um dos melhores blogs que eu já fiz, posso até dizer que me dediquei bem mais no do que eu fiz sobre o Léo Briglia, que é o maior jogador da história de Itabuna. Infelizmente Perivaldo morreu cedo, e poderia ter tido um rumo totalmente diferente na vida pós-futebolística se não fossem os erros pessoais que cometeu. Queria muito que estivesse vivo e que viesse ver Itabuna novamente... Hoje ele estaria com 68 anos.

  Estou bem cansado, fiquei escrevendo este blog por... sei lá, 1 hora? 2 horas? Vou descansar aqui, porquê eu mereço. Isso aqui vai ser postado no dia 20/04 apesar de eu estar escrevendo no dia 19/04, pois eu ainda não adicionei as imagens. Prometo que o meu próximo blog será sobre os protagonistas de cada edição da Copa América. Prometo de dedinho! Tchau!

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